Cinzas

Com aquele dia cheio de sol, cheio de tanta quentura, ela só via cinzas.
Passara a maior parte do dia fora, sem beber água, sem comer, e sem vontade de comer até. Talvez fosse o corpo pressentindo algum acontecimento ruim e não, não era nada poético. Era algo doloroso. Era dor.
Há dias aquela ansiedade se tornava latente em seu peito, como algo insuportável que até mesmo os calmantes não resolviam. A camomila não funciona para aquele corpo tão forte, tão volúpio, tão surrado. Mas ninguém precisa saber, afinal, são tantas pessoas que se passam dentro de um mesmo ônibus durante um dia, umas com máscara e outras sem. E lá estava ela usando uma, talvez para esconder o rosto vermelho do choro que despertou no caminho pra casa. 
Ela queria um lar, que talvez não fosse sua casa, que não fosse algo concreto. Sua companheira não gostava de abraçar, sua forma de dar carinho era diferente da que ela precisava naquele momento e então, ela cedeu. Ela misturou gritos com lágrimas e fumaça.
Quem nunca pecou na vida, que atire a primeira pedra. A vida tem sido cansativa, procurar um grande amor também. Se enganar procurando um grande amor se torna mais cansativo ainda e as pessoas as vezes se sentem como putas, que são alheias no mundo e do nada sentem vontade de pertencer a um único alguém. Querem ser desejadas somente por uma pessoa, cuidadas somente por aquela pessoa, amadas.
Mas quando eu falo de amor, é aquele amor carinhoso e ao mesmo tempo ardente, onde você olha tão fundo nos olhos que sente vontade de comer a pessoa e ao mesmo tempo se entregar por inteiro. Como confiar em alguém hoje em dia? Ela pensava, entre uma tragada e outra. Ela só queria ser levada a sério.
Ser desejada, ser amada, mimada e assumida. Queria ser declarada, amparada, ganhar um lenço do seu amado para nunca mais enxugar as lágrimas nas suas blusas e poder descansar em paz no final do dia. Não queria ter que se esforçar tanto para amar, só queria ser ela. Queria fugir daquele mundo de mãos que só a tocam pela carne que ela tem, deixar de ser comprada por um ingresso de cinema e parar de receber pedidos de nudes, quando o que ela mais tem é pavor da falta de curvas do seu corpo. Como pode, uma meretriz ter pavor do seu corpo?
Vez ou outra ela esquece de que existe uma vida normal e compra uma cartela dos seus cigarros favoritos, coloca a música que mais pode anavalhar seu coração e ouve. Somente ouve e aspira, sem se importar com seu futuro, sem se importar com sua falta de sono e os compromissos do dia seguinte. Pobre mulher mundana, como viver de mão em mão se só quer pertencer a um, sabendo que homens machucam sem nem pensar que machucam? 
Ela vê sua companheira dormindo no sofá, gostaria de trocar de corpo com ela, mesmo que para ouvir reclamações e para gritar, somente gritar o dia inteiro e passar o dia mudando de lugar para deitar e fugir das cinzas. Mesa cheia de cinzas.
É doloroso ser mulher, é doloroso ter coração. É doloroso fingir que não o tem. Putas amam?

Comentários

  1. Putas não são monstros, não são demônios, não são criaturas de uma outra realidade, elas são seres humanos, então sim, elas amam, elas sangram, elas sentem dor, elas sentem necessidade de amar e serem amadas como qualquer outra pessoa. Na realidade, eu acho que a gente como sociedade tem a estranha mania de transformar coisas em monstros, a gente transforma mulheres em putas para não pensar que as vezes somos nós quem tentamos rebaixar aquela pessoa até essa "categoria" e assim desculpar certos comportamentos. Então não, alguém que apenas quer ser desejada de maneira ardente e intensa, alguém que quer ser mimada, amada e assumida, nunca será uma puta, apenas uma mulher...e pensando de maneira pessoal, é justamente por essa mulher que homens como eu tanto procuram

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Eu lamento

Isolamento

Eu vivo