Old friend

Oi insônia, cá estamos nós novamente.
Já sabemos que os últimos tempos não tem sido leves, que mesmo com os melhores tratamentos existem momentos que somos só nós duas e uma cabeça cheia de pensamentos. Muitos pensamentos.
Pensamentos bons e ruins, pensamentos amplos e até pensamentos pequenos. Pensamentos. Quando me sinto melancólica, são os desenhos que me acolhem e quando você aparece, eu escrevo ou simplesmente olho para as luzes que atravessam minha janela enquanto o resto do condomínio dorme.
Todos dormem lá fora e eu lembro que um dia, tudo parecia mágico na minha mente, no meu coração e fora dele. Lembro o quanto eu gostaria de não sentir nada por ninguém, e gostaria de não estar sentindo nada agora. Lembro que amanhã cedo irei levantar, tomar um banho, escovar os dentes e pegar o primeiro ônibus para o hospital. A dor está voltando. O melhor de tudo é que não me sinto e nem me vejo como uma pessoa doente, eu já vejo tudo como um processo que há de ser vivido como qualquer outro, que em um momento tudo vai cessar. Tudo cessa, porque em tudo há um fim.
Querida insônia, minha velha amiga, eu não choro mais. Eu não me sinto mal pelas escolhas que tenho feito e de certas pessoas, nem sinto mais falta. Parece que nunca as tive na vida, algumas parece que sequer passaram pela minha mente, pela minha casa, pela minha cama ou pelos meus dias. Ficou somente o que é essencial para o ser humano: aprendizado.
Eu poderia estar escrevendo sobre sociologia ou filosofia, estar vetorizando uma carta náutica mas estou aqui, falando com você. Eu tenho orado, coisa que tem sido um pouco raro de acontecer, depois de tanto tempo focando em algo que não deu certo. As vezes nós nos desconectamos do que normalmente é "básico" na vida de um ser humano, voltando-se para outro ser humano que não sabe o que quer. E é por isso que me faço sempre atenta, para não repetir os mesmos erros. Eu oro, e sei que sou ouvida, sinto que sou e ao mesmo tempo sei que tudo abaixo dos céus tem um propósito, entretanto tento me desfazer de alguns deles. Hoje foi só mais um dia que eu não quis sentir nada por alguém e ao mesmo tempo acabo me perguntando "por que não?". Em algumas orações, isso já me veio em mente, mas o que a psicologia me explica algumas vezes (ou quase sempre), é que muitas vezes se faz necessário o ser humano gostar de outro, haver uma "troca" de sentimentos, admiração e carinho. Bem, eu como uma pessoa que vivo praticamente sozinha não gosto de ficar pensando nisso a todo momento, mas vez ou outra se passa na minha mente o que minha mãe me falava desde bem nova: "o ser humano não nasceu pra viver sozinho". 
Por anos, escolhi ser e estar (to be) sozinha e acredito na necessidade que tive de ter aquele hiato na minha vida, lidando não só comigo sozinha como também com outras pessoas que passaram pela minha vida. Dentre cabelos vermelhos, roxos, loiros, tatuagens novas, instrumentos novos, seleções, jogos, filmes, séries, novas receitas, cervejas, decepções, desânimo, saídas, isolamento, conclusões e começos de cursos, eu aprendi e ainda assim, sinto que preciso aprender mais, principalmente a direcionar o meu carinho para o ser humano que merece ele. O ano é 2022 e nós praticamente não temos tempo pra nada. Aliás, temos, para nossas obrigações, que é o que nos mantém de pé todos os dias, seja pelas tarefas que temos que fazer ou pelo dinheiro que temos que receber por tarefas feitas. Alguns nem tem tempo de dormir, mas tenho quase certeza que se eu não consigo dormir, meu sono tem ido para outra pessoa (seria lógico pensar assim?). Não ter tempo já parece algo TÃO NORMAL para tantos de nós, que esquecemos de nós, que não pensamos e nem queremos outros de nós por perto, por achar que não temos tempo para eles. Meus cabelos caem e os fios brancos só aparecem de um lado da minha cabeça, logo na frente (charme?); nos meus braços há mais marcas de Ártemis do que tatuagens as vezes e ela tem dividido o quarto comigo, ela sente falta de alguém e talvez ache que eu sinto falta também. E para não dizer que não sinto falta do que passou, eu sinto falta das gatas aqui em casa, mesmo traquinando, mesmo usando o rodo ao invés da vassoura para juntar os pêlos. 
Querida insônia, o tempo tem passado cada vez mais rápido, os que não vão ficando calvos, vão ficando cansados e o tempo, ele não perdoa. E não irá perdoar no dia de amanhã, e nem depois de amanhã. Será que temos perdido tempo tentando evitar gostar de alguém? Será que não querer se apegar é o certo a se fazer? Será que se desesperar adianta? Eu não sei como as outras pessoas tem agido com relação a esse pensamento, sobre ter alguém para compartilhar a vida, sobre ter um ponto afetivo de apoio, mas o que eu sei é que existem pessoas traumatizadas em demasia, no sentido numeral de pessoas e de traumas. E acho que não foi coincidência muitas delas terem passado pela minha vida, até porque eu já fui traumatizada um dia. É por isso que conhecer o respeito desde criança é tão importante, para saber onde parar, para saber onde deixar seguir, para saber acolher e para saber simplesmente ouvir. Deixar ser. E ser.
Querida insônia, já somos conhecidas há quase 10 anos e você ainda me traz indícios de uma vida cansada. E mesmo assim continuo firme, sem sono, ouvindo minhas músicas e pensando como será o amanhã que já é hoje. Viver pensando no amanhã, esquecendo muitas vezes o que já passou, lembrando muitas vezes do que não se quer e anulando o que muitas vezes o coração anseia. A gente podia tentar se dar uma chance, você de ir embora e eu de receber quem eu devo receber. Mas, quem eu devo receber de braços abertos? Será que ele já me conhece? Será que ele também não quer sentir nada por alguém por falta de tempo? Será que ele tem se cuidado? Sâo pensamentos aleatórios que talvez um dia façam sentido e se não fizerem, querida insônia, ficam sempre gravados aqui, como todo e qualquer pensamento ou sentimento que eu decido guardar para além do meu coração.

Assinado, Joice.

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