Para um amigo de infância

Nunca pensei que fosse um dia te escrever, principalmente nesse momento. A vida é imprevisível, é breve e nós nunca sabemos quando vai acontecer alguma coisa. Quando vai acontecer a última coisa. Eu não lembro a última vez que nos vimos, nem o último abraço que te dei, mas recordo bem o quanto tua inteligência te levou longe. 
Se eu era português, você era matemática. Era assim desde criança e depois de adulto também foi, não foi a toa que você conseguiu ser um dos primeiros engenheiros da nossa geração e longe de qualquer privilégio, foi por muito esforço. Nós, crias do pé de serra, filhos de professores, tendo sempre aquela "leve" pressão do dever de sermos eficientes em tudo que fôssemos fazer. Você era irredutível, cheio de disciplina, esperto e focado e apesar de tudo isso, aproveitamos nossa infância e foi lá que eu também peguei apreço pela escrita, de escrever bilhetinhos na sala, cartinhas pra mãe e pro pai, logo serei professora... A gente brincou muito junto, assistiu desenho, foi na casa um do outro, dividiu brinquedos e a hora do recreio. Era tudo tão inocente, tudo era felicidade fácil.
Falando em recreio, nunca vou esquecer do dia que a nossa "gangue" saiu hora do intervalo porque o Mário soube que uma cachorrinha tinha dado cria atrás da escola. Esse dia minha mãe ficou p da vida comigo e disse que nunca mais queria saber que eu tivesse saído da escola sem ela saber, muito menos só com meninos. A verdade é que eu sempre tive mais afinidade em fazer amizade com meninos e você tava lá comigo, na alfabetização e na 1ª série. E eu tive um bom par na quadrilha, ainda lembro da nossa foto de casalzinho quando você usava uma blusa verde com estampa de flores rosa. Fomos crianças felizes, acredito eu. Eu, você, a Yara e o Gutinho.
Karlomano, hoje eu soube de repente que você se foi e falar isso me faz marejar os olhos, mesmo que sem querer, mesmo sem termos convívio algum nos últimos 10 ou 20 anos. Cada pessoa é um universo, é uma luz. É como se todos nós vivessemos num enorme céu e nosso brilho fosse uma estrela e não sabemos exatamente quanto tempo essa estrela vai durar, porém como toda estrela, um dia vamos acabar. Um dia, vamos apagar. E o que sobra de nós? 
O brilho que fizemos aos demais que conviviam conosco; a ajuda que fizemos pra alguém ou alguéns; as recordações que vivemos na infância e na escola; as dádivas que pudemos viver; os méritos que conquistamos para os outros ou somente para nós; nossos feitos pessoais que talvez nem fizeram diferença pras pessoas que mais amamos na vida, mas que dentro de nós se perpetuaram por anos e anos, porque era algo que a gente queria demais, e conseguimos. E por mais que você tivesse passado boa parte da sua vida estudando, era o que você gostava de fazer, estava ali estampado no seu rosto e disso, eu nunca vou esquecer. 
Na noite de formatura do meu 3º ano do ensino médio nós tivemos lado a lado, assim como era na nossa infância, no ensino fundamental. Nessa noite eu não deveria ter sido chamada pra ganhar esse reconhecimento, era pra ter sido uma outra colega, porque de fato eu confesso que não merecia aquele certificado, aquele pedaço de papel. Eu não estava numa fase boa, tirei notas vermelhas e que até foram pro boletim. Com certeza bem diferente de ti, que tava sempre a frente na tua turma, como um exemplar e ótimo aluno. Karlomano, você vai ser sempre lembrado, se não nas fotos, por onde passou, por todos os trabalhos que fez, pela humildade que tem e pelas escolhas sábias que fez, porque não importa se pros demais eram sábias. O que importava era se você se sentia bem. Tinha muita vida ainda pela frente, mas Deus sabe de todas as coisas e eu nunca vou duvidar disso. 
Enquanto não chega meu momento, eu vou procurar viver o máximo que puder. Eu prometo. 
Obrigada por tudo, inclusive por me alertar de que eu preciso disso. Por mim. E lá longe, por ti.
Um abraço meu amigo, meu par, meu primo. Até uma próxima vida.

Você vai ser lembrado por tudo de bom que já fez 😓

Assinado, Joice.

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