Querida Sophie...

Acho que nunca nos parecemos tanto como nos últimos dias.
Como você, eu tenho procurado trabalhar com o que gosto, independente de algumas pessoas já terem me perguntado se é isso mesmo que eu quero pra minha vida. E sim, é isso que eu quero, ser professora. Sei que apesar do cansaço e alguns estudantes não gostarem de estar na escola, eu consigo.
Como onde você mora tem alguns momentos "pacatos", aqui eu transpasso por muitos momentos de rotina, que até tento fazer coisas diferentes mas nem sempre tenho sucesso. E quando há algo diferente, tem sempre umas sombras ruins disfarçadas de gente com boa intenção me rondando, e isso eu não sei se vou conseguir aprender a lidar um dia. Essa toxicidade as vezes acaba me poluindo... Dolorido? Não é esse bem o nome, "maçante" talvez seja o termo correto, de revirar os olhos.
Sabe com que mais tenho sido semelhante a ti? Tô parecendo uma véinha, mesmo sendo uma jovem adulta. Literalmente uma senhorinha com seus hábitos próprios na terceira idade: dor nas pernas, na lombar, olhos doloridos pelo óculos ter vencido e não ter trocado ainda, num pode ver um café que já quer tomar, dificuldade pra andar por conta das dores nas pernas e sério, se eu encontro a Bruxa do Deserto por aí eu não vou ser boazinha como você foi com ela, ela vai ter que me pagar por todos esses sintomas precoces de velhice.
Eu sei que naquele instante que você encontrou o castelo do Howl sua vida mudou, mas por aqui não existem castelos, fora o Grande Castelo que eu moro próximo, e nele não tem Howl nenhum (Howl mora em outro bairro). Aqui a realidade é totalmente diferente da sua, apesar de muitas semelhanças que temos uma com a outra. Sem Howl para me salvar, sem um Calcifer pra ser melhor amigo do Howl, sem Markl, sem o senhor Cabeça de Nabo, sem portas diferentes para escolher sair. Aqui é sempre a mesma porta, seja pra sair ou pra entrar. Aqui, o que faz a vida mudar, muitas vezes foge do que está em nossas mãos e temos que nos adaptar. 
Sophie, eu sei que na sua época as coisas pareciam bem mais duras e no filme você foi revolucionária, mas aqui ultimamente tem sido tão cansativo que é difícil ser revolucionária com meu próprio cotidiano. O seu cenário de vida é bem parecido com o meu, só lutamos guerras diferentes. A sua tem bombas que queimam, a minha os neurônios que queimam; a sua exigia que o Howl se dedicasse a uma situação contrária à que ele defendia, a minha muitas vezes eu tenho que calar porque minha voz não tem relevância; a sua separou várias famílias e pessoas que se amavam, a minha tem distanciado pessoas de mim. 
Enfim, não deixa de ser uma guerra, não é? Eu fico me perguntando quando essa guerra toda vai acabar, ou quando eu terei algum momento em que poderei respirar mais tranquila e em paz, ao menos com o intuito de ouvir a minha mente em silêncio. As pessoas naturalmente vem e vão e eu aprendi a ser sozinha. Não tenho um Calcifer mas tenho a Ártemis, ela é meu braço direito e talvez o esquerdo também... Nada de voar, sempre os pés no chão e sempre correndo, sempre fugindo, fazendo o necessário e sonhando com a liberdade.
Até onde isso vai dar, Sophie? Qual o sentido de tudo isso? A vida não é um filme, não posso sempre contar com o final feliz quando o final já veio com lágrimas. Como acreditar no final feliz?
Aguardo retorno.

Assinado, Joice.

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