O último incenso

Num dia qualquer, numa semana qualquer, decidi queimar meu último incenso.
Não é algo muito simbólico, não é algo que eu me queixe de ter feito. Lembro que minha mãe me disse "guarde para o melhor momento e queime ele". Não sei se esse é o melhor momento, mas aquela vareta precisava ser queimada. Tem dias que a gente precisa se dar um abraço bem acarinhado, cheio de amor, com cheiro agradável e demorado e hoje foi meu dia.
Ontem foi domingo, daqueles dias que a gente passa o dia dormindo e que foi totalmente improdutivo. Tentei assistir um filme de terror e dormi na metade do filme (deu pra sentir o quanto ele tava interessante, né?!). Na TV só passavam notícias como quantas vítimas de Covid já tem pelo país e pelo mundo, e quantas manifestações sobre democracia e vidas negras vem acontecendo.
Por um momento eu senti um revival, de quando eu só vegetava no começo da quarentena e hoje talvez a metade das pessoas que estavam trancadas em casa sem trabalhar já estão voltando a ativa. Aos poucos a vida vai voltando ao novo normal, mas ainda sem aquele contato afetivo.
Eu deveria ter feito muito da minha pesquisa esse fim de semana, mas me dei uma folga. Machuquei os dedos da mão direita fazendo uma limpeza pesada, quando me sentia meio adoentada, esmurecida, com a garganta ruim e o corpo dolorido, entretanto senti que fiz minha parte e minha casa está limpa agora. Passei umas noites da semana passada dormindo com o Maurílio no meu quarto, senti falta de uma companhia e ele é meu companheiro, meu amigo, meu revoltadinho peludo e gordo, ficou comigo até enquanto eu precisei. Hoje já está de volta no cantinho dele.
É incrível como os seres humanos reagem diferente e em tempos distintos a tais fases da vida. Andei pensando sobre isso quando ouvi a frase "acho que tu está sentindo o efeito pandêmico agora". Depois de algumas fases pesadas de carência e relacionamentos tóxicos, fiquei mais rígida comigo mesma e com o meu próximo, sem sentir carência como antes e sequer saudade de alguém, me sentindo em paz comigo mesma a maioria dos dias, sem companhia alguma, só eu e minha solitude. Entretanto, semana passada me senti vulnerável, a ponto de levar o Maurílio pra dormir comigo.
Se ele me entendesse, eu diria pra ele o quanto ele foi importante pra mim naquele momento, mas sei que ele não entende um A do que eu falo, então eu o abracei e cheirei, até ele me distanciar com as patinhas dele, aquele abusado kkk E hoje me dei conta que é o começo de mais uma semana, que não tem mais como adiar meus compromissos, que não tem mais o porquê de eu me sentir fraca, que não convém mais me culpar por pessoa x ou y ter se distanciado de mim quando a maioria das vezes eu que procurei me aproximar, que talvez esse seja o momento de eu lidar comigo mesma, de olhar pra mim e me acolher, de me entender e não procurar entender o porquê de as outras pessoas estarem estranhas. Todos estamos, então, que nos cuidemos cada um de nós mesmos, já que não queremos mais ninguém por perto!
Hoje eu queimo o último incenso que tenho em casa, mas creio que logo vou poder sair pra comprar mais alguma caixa na promoção, porque minha cidade é gostosa de se viver a ponto de vender uma caixa de incenso à R$1,00 se eu pechinchar. Ainda vou passar um bom tempo em isolamento social, assim como outras pessoas (creio eu) e quando puder sair, vou sair com uma nova visão do ser humano, do ambiente, do respirar, do valor que as coisas tem, desde a pequena à mais complexa. E sabe, desde muito cedo eu não me dou bem com pessoas, talvez eu tenha mais certeza que contato com pessoas não seja muito minha praia, então eu ligue mais pro espaço que me rodeia, sempre mantendo cuidado pra não ser assaltada, ouvindo minhas músicas, planejando meus próximos aprendizados e criando forças pra ter minhas novas experiências com o que possa me deixar mais empolgada pra seguir em frente.
A manhã de hoje tem um cheiro mais doce e em breve, se tudo der certo, novos perfumes virão.

Assinado, Joice.

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