O lado que ninguém conhece
Quinta passada eu descobri que não tô nada bem psicologicamente e a Germana riu junto comigo. Parecia comédia mas sabe, é melhor rir em algum momento disso tudo, porque só chorar tem me cansado muito fisicamente. O psiquiatra pediu pra que eu voltasse com 1 mês e disse que seria bem melhor se as terapias fossem 2x por semana, mas isso eu nunca conseguiria pelo plano, talvez se eu entrasse com uma solicitação na ANS, mas ainda assim ia ser como o INSS em 2018, demorou 1 ano pro auxílio sair e enquanto isso, foi um aperto atrás do outro.
O que posso dizer, caros leitores, é que mais uma vez sinto aquela sensação de incapacidade sob minha própria vida. O Borderline as vezes foge do controle da pessoa, nossa vida é uma montanha-russa onde tem altos e baixos bem profundos que só os medicamentos podem ajudar. Ainda hoje lembro com precisão quando fui diagnosticada com esse transtorno, no final das contas me deu um alívio por saber que não era bipolaridade, mesmo sabendo que todo transtorno tem suas peculiaridades a serem tratadas.
No final das contas, nesse dia, eu cheguei em casa bem cansada e liguei com meu interior deteriorado pra minha mãe, pra explicar tudo. O valor dos remédios ficou exorbitante, a sensação de dependência dela maior ainda e sabe, eu sei que os pais dizem que estão ali pra qualquer momento ajudar os filhos, entretanto a gente sente a carga de responsabilidade que é não poder ter uma renda pra custear a própria vida, os próprios problemas (mesmo os que não fomos nós que criamos). Já quis muitas vezes e pensei muitas vezes em como esse sofrimento acabe e a vida não é só sofrimento, eu sei, mas será que compensa viver pra ter essas dores todas e tratar com remédios que te deixam sem um fundo financeiro confortável no final do mês? É quase impossível de não pensar nisso.
E quanto a lidar com as demais pessoas ao nosso redor? Bem, eu sou péssima com pessoas, eu acho. Na faculdade, procurei logo a parte física da geografia porque sabia que não ia me identificar tanto trabalhando com pessoas e no final das contas, estou trabalhando com pessoas! Aquele negócio de remar contra a própria maré né?! Existe e vez ou outra a gente tem que aceitar que mesmo tentando que não aconteça, acontece. É que nem gostar de alguém. Ah, a pior parte de todas, eu acho. Gostar de alguém com todos esses problemas na cabeça e no coração é muito confuso, você nunca sabe quando tá tendo uma crise de ansiedade ou se está com um sentimento verdadeiro por alguém; o coração bate tão forte que tenta sair pela boca e o que se passa na minha cabeça é tomar meu calmante, se não funcionar só 1, tomo 2 e prefiro dormir do que ficar pensando no desenrolar da história. "Mas Joice, você está fugindo", e daí? Se fosse outra pessoa, com certeza também tentaria fugir. Alguém gosta de se machucar? Eu acho que só quem tem masoquismo ou algo parecido e eu não sou essa pessoa...
A gente cresce por anos pensando que sentir uma tristeza ou duas é normal, que se sentir sozinha passa, que ouvir aquela música melancólica é fase e que sua mãe só enche seu saco dizendo que é ela que causa sua deprimência, mas não é. Vai além de uma música triste, vai além de um momento sozinha na hora do recreio, é uma construção no decorrer de uma vida inteira. E eu admiro quem conseguiu diagnosticar isso bem mais cedo, que pôde construir uma ponte ao invés de um muro com todas essas pedras que pesam nas costas, que a gente carrega todo dia mesmo sem sair da cama. A descrença de viver numa "normalidade" entre as pessoas cresce gradativamente, a concentração e o foco em muitas situações nem existem, meditação é quase inconcebível (mesmo que guiada) porque você é atraído por qualquer barulho e a síndrome do pensamento acelerado (SPA) também se torna vigente.
Em nenhum momento eu quero afirmar aqui que minha vida é um desastre. Acredito que eu e demais pessoas que sentimos isso só esperamos dias melhores, com menos dependência química, com mais transparência e verdade vinda das pessoas que gostamos e que gostam da gente (porque mentira atrapalha muito no processo de aceitação do mundo como um todo), clareza nas situações que ocorrem, a transmissão de confiança e o respeito pelo sentir e muitas vezes só abraçar quando choramos (visto que nem sempre palavras podem nos confortar em um momento de descontrole emocional). Nós sentimos muito, somos intensos não só pela doença e alguns são exceção, não sentem nada, só quando tem crise. No meu caso, eu sou intensa em retenção e provavelmente isso seja errado (pode julgar), mas quem tem problemas assim costuma ativar um modo de autodefesa naturalmente, involuntariamente e o resto do mundo que se foda, dado que não queremos sofrer.
Alguns, como eu, infelizmente sofreram por osmose e eu não tenho adjetivos que possam caracterizar isso. No meu caso, eu amo contato humano, mesmo que não pareça; o toque das pessoas, a imagem das mãos e dos pés, a energia que sinto na ponta dos dedos quando perpasso os meus na pele do outro e encontro sua maciez, conectando-se automaticamente a outro mundo que não é o meu e não poder ter isso pela ligeira confusão que as outras pessoas tem, é agoniante por vezes. O que eu penso é: "o que eu tenho a perder quando não tenho nada?", porque é como se tudo fosse efêmero e eu não me conformo :( e logo eu penso sucessivamente: "a vida é curta demais pra desperdiçar um segundo", então escrevo, que é uma das únicas coisas que posso fazer sem machucar alguém ou me machucar. É onde eu sou mais eu, onde eu sei que as demais pessoas podem me ver, onde eu consigo me comunicar melhor e sei que as pessoas não podem me atingir com suas incertezas e indecisões.
Assinado, Joice.
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