Sobre paz
Talvez eu não veja a escrita como um "talento", como algumas pessoas dizem que eu tenho. Desde criança eu vivia para instruções: o que assistir, o que ler, o que aceitar pra comer, o que não fazer, a quem evitar, a sempre respeitar e não ter tanta vontade de nada. O tempo me fez aperfeiçoar uma instrução.
Com o passar dos anos, a escrita me levou a lugares de reconhecimento, mas ao mesmo tempo esse reconhecimento era duvidoso porque eu era filha de quem era, então na verdade eu não tinha tanto crédito assim, talvez. Mas eu devia ser boa em algo, não é verdade? Então eu me dedicava à leitura e a escrita. No ensino médio eu era uma pré-adolescente carente que queria ser amada, e imaginava sempre alguém me amando ardentemente, cedendo às minhas vontades, meus anseios de carinho e atenção, que fizessem eu esquecer do vazio que eu sentia em casa, dentro da minha família. Ok que não foi exatamente isso que aconteceu durante os próximos sei lá, 5 anos adiante. Até ter meu primeiro namorado, eu escrevia cartas de amor sem dedicatória e dava pras amigas entregarem pros namorados delas, acho que era até mais jogo, ter cartas paradas em casa me fazia lembrar que eu não tinha ninguém. Mas a verdade, é que mesmo tendo namorado, eu não tinha o que esperava que fosse ter quando o tivesse. Erro meu, talvez.
Pode ser que tudo o que eu tenha vivido, durante esse tempo e mais além, seja um grande talvez. Contudo, se não fosse isso, muitas das coisas que eu sou hoje, que eu levo um merecido mérito por ser, não seria eu.
Algumas várias cartas que fui escrevendo já não saiam no papel, mas sim na internet e com outro nome. Eu tinha vergonha de expor meus sentimentos, ao mesmo tempo que não tinha muito auxílio de um especialista pra tratar das minhas mazelas. Tive que me virar com o que eu tinha. E eu tinha minhas palavras. A partir dali eu deixava de usar a escrita como um dever, e ela virou um refúgio. Não sabia para onde um dia ela podia me levar, ou se eu ia ficar no mesmo lugar, vomitando palavras, frases, lamentos, desesperos e esperança. Em algum momento eu teria que deixar de somente escrever.
Só que, quem eu seria, sem a minha essência? Além de ser um lugar único pra mim, a escrita começou a ser um lugar de "identidade", onde eu relia o que escrevia e conseguia identificar alguns sintomas, recorrências, tristezas incomuns, vontades doentias, aflições. Eu queria além de qualquer outro desejo escrito, uma paz que não conseguia distinguir dentro de mim, e que só percebia lendo a mim mesma.
Sobre paz, talvez eu não consiga reconhecer algum momento na minha infância, mas quando veio a pré-adolescência e as fases seguintes, pude compreender que era a fase que eu mais tive tranquilidade no coração. Foi quando eu pude ter menos cobrança, as coisas eram mais fáceis e não tinha um pensamento a longo prazo como hoje em dia tenho. Quando procuro o significado de "paz" no dicionário, ele está ligado à calmaria, tranquilidade, harmonia, silêncio, descanso e seguindo uma comparação do significado com minha mente, eu e paz nunca tivemos um relacionamento de constância. Mas eu sempre quis. O problema é que a paz não tem uma receita pronta.
Logo estaremos entrando no 2º semestre do ano de 2024, e tudo o que eu planejei pra esse ano foi mudado por conta de uma greve. Isso me faz lembrar que uma boa parte da minha vida eu segui tentando ao máximo controlar tudo, por ter medo da minha reação, de me decepcionar, tentando sempre me defender dos possíveis perigos que viessem pela frente. Mas apesar das cobranças familiares, hoje consigo perceber que nem tudo está no meu controle e tem coisas que eu só posso aceitar mesmo. Quem quiser, que se reclame sozinho.
Esse ano eu faço 10 anos de terapia, e várias vezes eu quis desistir de tudo, fosse da terapia, dos remédios ou da vida. Contudo o desenrolar dos fatos me fez persistir na chance de viver que eu ganhei, então tenho tentado não me desesperar frente às dificuldades. E assim vou adquirindo meus pequenos passos de paz. A escrita continua sendo um refúgio; não escrevo mais tantas cartas de amor como gostaria, mas ainda tenho meus insights e escrevo umas coisas parecendo uma adolescente apaixonada. Ainda tenho uns pensamentos loucos e chego a algumas conclusões; Uma delas é que tudo o que eu sempre quis, era ser uma pessoa comum, mesmo sabendo que a maioria das "pessoas comuns" pouco tem uma essência marcante, ou um interesse fora da curva do que a vida impõe normalmente. Mas queria ser alguém comum, que fizesse as coisas mais por vontade do que por obrigação (mas sem esquecer das obrigações, claro).
Tudo são fases e aparentemente tô em uma de questionamentos, dúvidas, hiatos, chaves abertas e sem preenchimento. Ok, tranquilo, faz parte. Enquanto isso, sigo fazendo o que normalmente faço: penso, escrevo, as vezes desenho, ouço rádio e procuro pela paz.
Sobre paz, a gente vive em busca dela mesmo. Se a gente busca, ela existe, então não desisto.
Assinado, Joice.
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