Escove os dentes
Hoje eu sentei no banheiro e comecei a chorar. Poderia ser por qualquer coisa, qualquer pessoa, mas era somente por ser eu, por aquele momento estar acontecendo.
Eu pensei tanto, tanto no que eu estava sentindo naquele momento, na dor que eu tava sentindo, fosse por dentro ou por fora. Eu saí correndo e abracei minha mãe, que estava sentada ao lado do sofá e eu só soube dizer que estava cansada. Estou cansada dessa vida que sempre me traz um obstáculo quando eu menos espero, quando eu logo penso que as coisas vão dar certo. E eu só sei chorar agora...
(*)Meu amor, se um dia você ler isso, quero que saiba que neste dia, eu nunca imaginei que você pudesse chegar na minha vida, que eu estava totalmente longe de ter alguém que quisesse estar comigo, compartilhar algum hobby ou me fazer companhia enquanto eu tenho uma dor crônica. Eu só queria um abraço seu, só queria formar uma família, ter filhos e ser feliz, mas o caminho foi tão maluco, confuso, com assédios e decepções, momentos em que só eu podia tomar decisão por mim mesma, por mais que doesse o último fio de cabelo da minha cabeça. Meu coração doeu mais do que todas as dores que eu estou sentindo e já senti no último mês. Então, me perdoe se um dia eu me achar mais vulnerável que você, em um dia qualquer antes de poder te dar o amor que eu tanto tenho no meu peito, eu sofri, sofri muito e não quis dizer a ninguém.
Ontem meu dia foi uma correria, mesmo com dores. O Satoru é um amigo muito corajoso que eu pude conhecer e ter, conseguiu uma consulta com ortopedista pra eu ter acesso a fisioterapia, ele não sabe o quão sou grata por ele ter sacrificado uma parte dele para fazer isso por mim. Talvez eu só tenha terapia em setembro agora, continuo na luta pra ter alguma ainda esse mês. Fiz a bendita ressonância e estou ansiosa pra receber as imagens e o laudo. E foi do jeito que eu imaginei, aquela sensação foi a mais próxima que pude passar perto de um foguete à ir ao espaço. Eu pude fechar os olhos e imaginar as estrelas, enquanto tudo doía e fazia barulho do lado de fora. E foram 40 minutos ali dentro, imaginando e me perguntando: "o que vem depois da dor?", "Será que o ônibus vai demorar a passar?", "Quero chegar em casa logo pra deitar", "Só tem mais um toragesic, como vai ser amanhã?". Infinito. Um infinito em meia-hora de volta pra casa.
Por um momento eu fico deitada no sofá, paro e penso o quanto eu pude ser agraciada durante a minha infância, quanto já fui premiada, quanto eu já me esforcei pra ser sempre a melhor, mas não via para que esse melhor me serviria num futuro que hoje eu vivo. Quero muito acreditar nos médicos e na minha mãe, e imaginar que essa dor é passageira, que o tratamento vai funcionar, que ninguém vai precisar me cortar de novo, mesmo que no final eu termine sozinha dentro de casa como eu fico por dias, meses, me esquivando de convites para sair (desculpa Sabrina, amiga, sinto muito, eu sei que você vai me perdoar). Acho que nunca terei alguém para dar o amor que eu tenho, e tentando não pensar nisso, eu leio, eu assisto, evito filmes de romance clichê, faço cursos, vou voltar pro espanhol, vou apressar os passos da faculdade e até me arrisco em sites suspeitos para baixar filme pirata para não ir ao cinema. Mas será que eu tô fazendo o certo?
Eu faço tanta força pros conhecidos que estão se sentindo mal saírem de casa e não saio, tento dar o gás por quem eu amo mesmo que não seja amada de volta, respiro fundo para não perder as estribeiras e rego a minha paz, que cresce e cresce. Mas no final estou só, o que não é de tanto ruim, mas não de tanto bom, já que desde os neandertais (ou até mais atrás), os seres vivos não foram feitos para serem sozinhos. Eu não tenho condições nenhuma de beijar alguém agora, com a boca tão ressecada dos medicamentos e venho falar de amor kkkk Mas quando eu penso em amor, eu penso na raiva que já passei por várias pessoas que já tive muito apreço, carinho, afeto e admiração, e acabaram desprezando tudo isso e no final das contas, quem teve que acabar tudo fui eu. Claro, quem só recebe sem dar algo em troca não vê problema algum em acabar um ciclo que lhe favorece. Só não entendo o porquê de eu ainda acreditar no amor, mesmo em decadência, aos prantos em frente a um notebook,
Eu já me sinto velha pra tanta coisa, meus cabelos brancos nascem em um lado só da cabeça. Os médicos me intimaram a emagrecer porque meu problema de saúde pode ter iniciado devido o sobrepeso. Dessa vez, não sou a mais velha da turma, mas já me chamam de tia e por um instante, num piscar de olhos, subindo as escadas da Uece consigo me ver dando aula para várias pessoas, várias personalidades, várias vidas que talvez ainda não saibam o que fazer depois que aquele ano letivo acabar. Talvez o amor que eu sinta não seja para dar à uma pessoa só, mas para várias e elas me esperam daqui há alguns meses, quem sabe. Sò vou saber no ano que vem.
Enquanto isso, revelei à minha mãe que sinto vontade de ir embora daqui. Meu coração não sente tanta esperança por uma vida radiante e ascendente aqui... Já tentei tanto, já peregrinei por vários bairros, igrejas, recebi chamados, senti pessoas por perto enquanto só existia eu fisicamente dentro de casa. Queria TANTO ver minha vó Iraci e dar um abraço nela e pedir desculpas por tentar tanto e me machucar com as tentativas que tive. Infelizmente eu não nasci cigana, não pude prever os desastres que viriam com os futuros que já se passaram na minha vida, mas das alegrias eu consigo lembrar. É sobre isso, converter a raiva em esperança.
A raiva corrói o homem, impede que ele possa expandir seus horizontes, conhecer novas pessoas, enxergar a vida de uma nova forma que possa o beneficiar ou o fazer rir, sorrir ou simplesmente agradecer por viver, por ter uma família, um lugar para morar, os pulmões sadios para respirar. A raiva é coisa de quem realmente não tem outra intenção na vida, isso atrapalha tanto, impede de andar em paz, de ter tranquilidade no trânsito e faz lembrar constantemente da dor, a dor que muitas vezes se quer esquecer. Viver é mais do que sentir, é ter consciência de que coisas ruins vão acontecer e a gente precisa ter força pra passar por cima, e saber que existem pessoas torcendo por nós e de braços abertos pra poder te elevar para o próximo degrau, um que você não se sinta dolorido, um que você possa suspirar e logo após sorrir.
Eu poderia estar com raiva de mim agora, e ainda tenho um pouco por ter me desfeito de amigos, momentos felizes, concentração, foco, afetos trocados, relacionamento de paz com minha família, tudo por causa de pessoas que não tinham intenção alguma de continuar comigo. Se eu já senti raiva, hoje tudo virou esperança, porque eu consegui respirar um tiquinho a mais que ontem e abracei minha mãe, porque eu não fui embora da casa que moro há 6 anos, porque crio minha cachorrinha. Se eu tivesse me deixado levar sempre pela raiva, eu já tinha dado a Temisia porque alguém não gostava dela. Acho que esse é um dos episódios mais doloridos que eu lembro de ter transformado raiva em esperança. Esperança de que ela poderia melhorar o comportamento e eu melhorar como tutora, prestar mais atenção à ela e me dedicar à ela como uma tutora deve se dedicar ao seu melhor amigo e não dar ouvidos à quem quer mal ao meu melhor amigo. Os amigos, por eles muitas coisas valem a pena, é por isso que hoje em dia eu prefiro ter amigos, ou ao menos tentar né, porque eu sou um fracasso em fazer amizades, quem dirá fazer alguém gostar de mim de verdade para me amar além da Joice amiga kkkk Tudo isso é um resumo do que eu senti enquanto uma música de 3 minutos tocava enquanto estava sentada no chão do banheiro, escovando os dentes. E sentindo dor.
A dor pode ser sua companhia de hoje, mas ela não é a saída para você se sentir melhor. Ela é um sinal de que você precisa sair de onde você está e procurar um sentimento mais doce, pacífico, um abraço quentinho, um sorriso que sorria junto com você, barulhos de risadas e vento no rosto, no cabelo, ouvir uma música e cantar junto (mesmo que de forma desconsertada) e chorar, mas chorar de felicidade, porque você se permitiu sair dessa. Essa hora, ela tem que chegar e as vezes a gente vai com dor mesmo, porque não suporta mais ser só dor e quem bem nos quer, nos ajuda, nos acolhe. E a luta é menos dolorosa.
Quem é você, que eu não vejo a hora de abraçar? Espero que goste de pijama de bolinhas...
Que o caminho valha a pena, seja aqui ou em qualquer outra cidade, estado ou país.
(*) Parêntese para você que (talvez) eu não sei o nome, mas já conservo um amor gostoso dentro de mim, pra te dar.
Assinado, Joice.
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